Adultização de crianças: o que é, por que preocupa e o que pode mudar no Brasil

O vídeo do influenciador Felca reacendeu o debate sobre a adultização de crianças nas redes sociais e impulsionou a aprovação de um projeto de lei no Congresso.

Instituto Paulista de Sexualidade
22 de agosto de 2025

Em agosto de 2025, um vídeo publicado pelo influenciador Felca viralizou nas redes e superou 47 milhões de visualizações no YouTube. Nele, ele denunciava a exposição e exploração de crianças em conteúdos digitais.

A repercussão foi tamanha que, segundo a BBC News Brasil e a Agência Brasil, o episódio acelerou investigações contra influenciadores, gerou prisões e impulsionou a aprovação do projeto de lei apelidado de ‘ECA Digital’ no Congresso.

O que significa “adultização” de crianças?

O termo adultização descreve a situação em que a infância é encurtada à força — quando crianças são levadas a assumir posturas, hábitos ou aparências típicos de adultos, sem estarem prontas para isso. O resultado é uma pressão precoce que afeta sua saúde emocional, social e sexual.

Isso pode se manifestar de diferentes formas:

- Excesso de responsabilidades domésticas;
- Cobrança exagerada por desempenho escolar ou esportivo;
- Exposição a conteúdos inadequados para a idade, como vídeos sexualizados ou conteúdos com teor adulto;
- Estímulo à estética adulta, por meio de maquiagem, roupas ou coreografias sensuais.

Embora muitas vezes os pais ou cuidadores acreditem que isso torne a criança mais “madura”, o efeito é muito mais profundo: significa quebrar o ciclo natural da infância, expondo elas a pressões emocionais e sociais para as quais ainda não estão preparadas.

É importante diferenciar: a sexualização precoce faz parte da adultização, mas não é a mesma coisa. A adultização é mais ampla, e inclui tanto aspectos ligados à sexualidade quanto cobranças ligadas à vida adulta.


O impacto da adultização no desenvolvimento infantil

Pesquisas citadas pela BBC News Brasil mostram que crianças adultizadas têm mais chance de desenvolver ansiedade, depressão e dificuldades de socialização. O processo também pode comprometer o aprendizado, gerar problemas de atenção e impactar diretamente a construção da autoimagem, aumentando a vulnerabilidade à violência sexual.

- Saúde mental: maior risco de ansiedade, depressão, irritabilidade e dificuldade de socialização;
- Educação: queda no desempenho escolar, dificuldade de concentração e atenção;
- Sexualidade e autoimagem: confusão sobre limites e consentimento, baixa autoestima, vulnerabilidade à violência sexual e riscos de sexualização precoce.


O papel da internet e das redes sociais

Embora a adultização não seja um fenômeno novo, a internet deu a ela uma nova dimensão.

Hoje, crianças não apenas consomem conteúdos, como também se tornam produtoras, em busca de curtidas, visualizações e monetização.

Os dados mostram a dimensão do desafio:

- Em 2022, 92% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos usavam internet no Brasil, segundo a pesquisa TIC Kids Online.
- Outro dado, destacado pela BBC News Brasil, mostra que em 2023 o índice subiu para 93% entre os 9 e 16 anos — e cerca de 20% tiveram acesso antes mesmo dos 6 anos de idade.

Essa exposição precoce afeta desejos, expectativas e autoimagem. Redes sociais funcionam como mecanismos de recompensa, liberando dopamina a cada curtida ou comentário. Em cérebros ainda em formação, isso pode gerar dependência e moldar identidades em torno da aprovação externa.


O que pode mudar com a lei

O debate público acelerou a tramitação do Projeto de Lei 2628/22, conhecido como “ECA Digital”, aprovado na Câmara em agosto de 2025. Agora, o texto retorna ao Senado para votação final.

Se aprovado, trará mudanças importantes:

1) Restrições às plataformas: obrigação de impedir comunicação direta entre adultos e menores, limitar tempo de uso e oferecer controle parental.

2) Jogos eletrônicos: proibição de loot boxes (um sistema comparado a uma aposta, porque envolve gastar dinheiro em troca de uma recompensa incerta) para crianças e adolescentes.

3) Publicidade: fim do direcionamento de anúncios para menores e proibição de técnicas de manipulação emocional.

4) Proteção de dados: coleta mínima de informações pessoais, sempre com consentimento dos responsáveis.

5 )Remoção de conteúdo: plataformas terão que retirar imediatamente materiais que violem direitos de crianças, sem depender de ordem judicial.

6) Punições: multas de até R$ 50 milhões por infração, além de suspensão ou proibição de atividades.

Um ponto importante é que a lei reforça que a proteção é conjunta — Estado, plataformas e cuidadores devem atuar em parceria.


O que famílias e sociedade podem fazer

Mais do que esperar mudanças na lei, há ações práticas que podem ajudar a reduzir os efeitos da adultização:

1) Educação sexual desde cedo: ensinar sobre corpo, limites, respeito e consentimento.

2) Supervisão ativa: acompanhar o que as crianças consomem e produzem nas redes.

3) Cuidado com a exposição: evitar compartilhar imagens e vídeos que possam ser usados de forma criminosa.

4) Resgate da infância: incentivar brincadeiras, convívio familiar e atividades ao ar livre.

5) Apoio profissional: buscar pediatras e psicólogos em casos de sinais de irritabilidade, isolamento ou linguagem sexualizada precoce.

A adultização de crianças é uma questão de saúde pública e de direitos humanos. O “efeito Felca” mostrou como a sociedade pode reagir diante de práticas nocivas — mas também revelou o quanto ainda precisamos avançar em regulação, educação e conscientização.

Proteger a infância significa garantir que cada etapa seja vivida em seu tempo. Afinal, é nesse período que se constroem os alicerces da saúde emocional, social e sexual das pessoas.